Desde o
início do segundo governo Dilma, principalmente do ano passado até meados desse
ano, uma forte mobilização de massas (envolvendo principalmente a classe média)
expressou uma angústia geral da população brasileira: a insatisfação com a
ineficiência do Estado e a corrupção endêmica descarada. Setores médios deram
as mãos com setores dos trabalhadores contra o corrupto governo do PT. A
princípio, não haviam pautas muito claras e, com isso, setores de direita e
ultra direita se meteram nessa mobilizações, e a divisão criada nas eleições
entre “petralhas” e “coxinhas” se desequilibrou para o lado dos segundos.
Identificando o governo do PT como de “esquerda”, setores de massas aderiram àquilo
que acreditavam ser a “direita”.
Claro, essa
é uma história (bem) resumida. Mas ela serve para introduzir o assunto. Quero
falar neste texto das mudanças ocorridas após as mobilizações pró-impeachment,
tratar do balanço das políticas de diversos grupos antes e propôr uma política
para o momento atual. Não entrarei aqui em detalhes do governo Temer, no
entanto, pois não acredito que esse seja o principal elemento da conjuntura.
Explicarei tudo isso à frente.
Primeiramente,
é preciso admitir que a caracterização original da “grande esquerda” sobre
essas mobilizações foi totalmente equivocada. Hoje, depois do impeachment ter
acontecido, não podemos mais dizer que as mobilizações eram uma ação de uma
minoria privilegiada. Milhões de pessoas se manifestaram e o apoio ao
impeachment foi estrondoso. A resistência a ele não teve condições de se
mobilizar para derrotá-lo e nem consegue hoje empurrar uma derrubada a Temer,
mesmo que o nível de aprovação dele seja tão pequeno quanto o de Dilma durante
as mobilizações. Sendo assim, fica claro que as forças que enfrentaram o impeachment
são significativamente mais fracas que as que o queriam. Sendo assim, a
minoria, na verdade, é a base dos protestos anti-impeachment.
Deve soar
estranho não dar nome aos bois, mas quero localizar, dessa maneira, que os
setores engajados em uma ou outra política eram diversos em sua composição e
envolviam setores de massas. Ambos. Em breve direi diretamente quem é quem.
Bom, sendo
assim, é preciso admitir que uma parte significativa da classe trabalhadora se
aliou à classe média em prol de derrubar o governo do PT. Na verdade, é
necessário dizer que o mesmo aconteceu para defender esse mesmo governo – ainda
que com críticas. Em ambos os lados tivemos uma mobilização que uniu classe
média e classe trabalhadora.
Entendendo
dessa maneira, fica claro que a postura de tratar todas as mobilizações anti-PT
como mobilizações de “coxinhas” foi, desde o início, um erro. Primeiro por que
a classe trabalhadora - centro da produção social e base da nossa estrutura
social - estava sim presente nesses atos – e ela deve ser disputada pelos
setores da esquerda. Segundo por que a classe média, apesar de secundária, também deve ser disputada, pois ela é o grupo que faz diferença na balança da
luta de classes. Todas as grandes mudanças políticas dos séculos XX e XXI
envolveram a classe média, para bem ou para mal. Ou seja, ainda que toda a
composição das manifestações pró-impeachment fosse de membros da classe média
exclusivamente, esse setor ainda teria que ser disputado pela esquerda.
Em terceiro
lugar, o fato de que a “grande esquerda” ( em especial, PSOL e membros de diversos grupos), o
PT e o PCdoB (a direita que se diz de esquerda), terem chamado essas
manifestações de “coxinhas” e rejeitado o diálogo com todos os que se sentiram
mobilizados pelas suas reivindicações (primeiro difusas, depois o impeachment),
essa política, foi indubitavelmente responsável por jogar setores de massas nas
mãos da burguesia (da direita e da ultra-direita), pois, antes mesmo de elas
estarem ganhas para a direita, elas já foram tachadas dessa maneira. Qualquer
um deles que buscasse procurar um pouco mais, logo se veria jogado no campo
desconhecido da direita. Por mais que muitos deles não sejam de direita (pois
não defendem seu programa e, muitas vezes, nem sabem qual ele é), é a direita
quem passou a dirigí-los.
Nisso
também a grande esquerda, o PT e o PCdoB, têm culpa: ao não dialogar com esse
setor das massas e atacá-los dizendo sendo filiados a forças políticas que eles
não sabiam que os estavam dirigindo, fez com que eles criassem uma resistência
à própria denúncia de estarem sendo usados de massa de manobra (como estavam,
de fato).
Mas, na
verdade, a direita travestida de esquerda (PT e PCdoB), fez o mesmo, dizendo
que as manifestações pró-governo eram a favor da “democracia” (como se o regime
democrático de direito do Brasil fosse acabar com um eventual governo Temer) e
contra o mitológico “golpe”. Mitológico por que, quando se fala de golpe,
referimo-nos a uma ruptura do regime em prol da retirada de um programa
político para a aplicação de outro e a efetiva mudança no regime político.
Nenhum destes 3 elementos esteve presente – não houve ruptura do regime
democrático burguês, não houve mudança de programa político e nem houve mudança
de regime.
Assustados
com as manifestações pró-impeachment, a grande esquerda capitulou à dicotomia
eleitoral criada pelo PT-PCdoB, enxergou aquelas massas como uma “onda de
direita” e, por isso, aderiram ao apoio, mesmo que envergonhado, ao governo.
Alguns setores da esquerda do PSOL não caíram nesse conto, mas não foram fortes
o suficiente para mudar os rumos do partido, que assumiu agora a postura
nacional de se aliar ao PT-PCdoB, a direita que se diz de esquerda. O PSTU
merece ser destacado por não ter caído nesse conto em momento algum desse
processo todo, sem aderir ao apoio ao governo. Mas, a postura da maioria da
esquerda foi a de dar as mãos com o governo de frente popular (burguês) de
direita para defendê-lo, com medo do que poderia vir sem ele.
Esse se
tornou o caso mais interessante de profecia auto-realizada da política
Brasileira recente. Justamente por taxar as manifestações de “coxinhas”, seus
participantes se alinharam com a direita. Ao dizer que havia uma “onda de
direita”, as massas foram largadas nas mãos da direita, aumentando a força real
desses grupos e mudando o rumo da política nacional, permitindo a esses setores
terem mais influência para aplicar um programa mais radicalmente à direita que
antes... e eis que surge a “onda de direita”, como se fosse uma confirmação de
seu próprio mito. Os responsáveis? É preciso dizer: a grande esquerda, a
maioria do PSOL, mas principalmente, o PT-PCdoB.
Mas o erro
da esquerda é imperdoável. Aliar-se a um setor da direita acreditando nos mitos
disseminados por ele mesmo, depois de tantos anos de ataques a diversos setores
da população, política neo-liberal, privatizações, terceirizações e uma onda
tão grande de arrependimento do voto em Dilma... depois de tudo isso, a
esquerda se converter ao governismo (mesmo que envergonhado) é de uma
ingenuidade absoluta, que só se poderia esperar de novatos, não de direções
políticas tão antigas. Digo ingenuidade por que não há motivos para acreditar
que tenha sido uma jogada dos setores mais à direita do PSOL e da grande
esquerda... isso não por que sejam todos honestos (pois nem todos são), mas sim
por que a ingenuidade, para mim, é mais crível que a incompetência – essa
política desastrada não dava e não deu nenhuma vantagem ao PSOL e
principalmente aos setores independentes... Só quem tinha a ganhar (e ganhou) era
o PT-PCdoB, angariando o apoio de massas e vanguardas desavisadas e daqueles
que mais fortemente caíram em seus contos e passaram para o governismo.
Agora, ao
mesmo tempo em que isso acontece, crescem os liberais de direita e os
neo-fascistas. O PSDB e o PMDB, como partidos, não ganharam simpatia da
população; apenas poder – que é o que se espera de usá-la como massa de
manobra; nada inesperado. Mas a direita mais vocal, mais estridente e mais
descarada é que ganhou mais com tudo isso. A massa pró-impeachment, irritada e
confusa, viu ao seu lado, organizados e ativos, figuras do liberalismo (do mais
moderado ao mais delirante, como Olavo de Carvalho, passando pelos liberais
radicais, como o Canal do Otário) e neo-fascistas (os bolsonaros são um bom
exemplo)... e acabaram dando as mãos e aderindo ao seu programa, que era mais
claro que o de quaisquer outros grupos políticos.
É preciso,
portanto, identificar uma mudança na conjuntura. Ao passo que, durante as
manifestações, as massas pró-impeachment não aderissem ao programa da direita e
da ultra-direita, agora setores cada vez maiores estão reproduzindo os
argumentos (toscos) dos liberais de direita e os argumentos (imbecis) da
ultra-direita e criando uma nova mitologia sobre o que é a esquerda: baseada em
estereótipos simplistas, misturas de características de diversas correntes
diferentes, vendo incoerências que não existem e, mais evidentemente,
rejeitando a luta contra as opressões e resistindo às suas posturas (que,
admitamos, foram e são, em muitos casos, muito sectárias e, em outros,
vanguardistas).
Dada essa
realidade, é preciso fazer um ajuste de política. Não creio que a política de
“Fora Todos Eles” do PSTU e da CST (corrente do PSOL) seja a mais apropriada
para o momento – fazer essa demanda irá levar o movimento social a uma derrota
certa, pois ele não consiguirá, de forma alguma, derrubar todos (lição que
deveria ter sido aprendida com o primeiro “Fora Todos”, em 2005). Além disso,
essa política não dialoga com a consciência dos setores anti-impeachment que
aderiram ao governismo e nem com os setores pró-impeachment, que esperam para
ver no que vai dar o governo Temer. Uma coisa é correta: a denúncia
incondicional ao governo – mas é prioridade impedir o avanço da direita.
Felizmente,
o PT-PCdoB estão sem pai nem mãe: sem governo, sem apoio e sem política. Esse é
o momento ideal para construir uma verdadeira oposição de esquerda, sem
capitular à direita que se finge de esquerda. A prioridade nesse momento deve
ser a união entre os partidos de esquerda (PSOL, PSTU e PCB, em especial) e os outros
grupos da grande esquerda (principalmente os grupos de luta contra as
opressões) na construção de um grande bloco, que deve se identificar como “a
verdadeira esquerda” e que traga um programa unitário que combata os ataque
planejados por PMDB-PSDB. O vácuo deixado pela derrota do PT-PCdoB permite que
uma nova força cresça muito nesse atual momento, apesar da apatia geral.
Ao mesmo
tempo, até o final do ano, a luta por novas eleições deve ser um objetivo real.
Até o final do ano é legalmente possível derrubar Temer e fazer novas eleições
para presidente. Se isso acontecer por uma movimentação da esquerda, ainda que
apoiada por uma massa perdida, as possibilidades de influência no programa
apoiado pelas massas e, ao mesmo tempo, de trazer até uma eleição geral, ou uma
nova constituinte, aparecem no horizonte. Mas o primeiro passo é derrubar Temer
e isso só pode ser feito com a denúncia implacável do governo e a unidade da
esquerda em torno a um programa unitário e a proposta de novas eleições.
Não será
uma tarefa fácil, no entanto. Os inimigos estão fortes, bem mais fortes que
antes. Mas a ordem atual das coisas está, ao mesmo tempo, mais frágil do que
então: o governo federal não tem apoio e a “nova direita” não tem um programa
que possa de fato mudar a realidade do Brasil. Será necessário pôr em pauta a questão de qual o programa que o povo
brasileiro quer para o país (nada melhor que uma eleição presidencial para
isso) e, principalmente, enfrentar (em todas as frentes) essa nova direita,
desmascará-la. E essa última tarefa será a mais difícil – pois eles estavam ao
lado destas pessoas nas manifestações, não a esquerda; por que eles os
abraçaram, não a esquerda; por que eles os disputaram, não a esquerda.
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