terça-feira, 30 de agosto de 2016

A "Onda de Direita" e a Responsabilidade da Esquerda

Desde o início do segundo governo Dilma, principalmente do ano passado até meados desse ano, uma forte mobilização de massas (envolvendo principalmente a classe média) expressou uma angústia geral da população brasileira: a insatisfação com a ineficiência do Estado e a corrupção endêmica descarada. Setores médios deram as mãos com setores dos trabalhadores contra o corrupto governo do PT. A princípio, não haviam pautas muito claras e, com isso, setores de direita e ultra direita se meteram nessa mobilizações, e a divisão criada nas eleições entre “petralhas” e “coxinhas” se desequilibrou para o lado dos segundos. Identificando o governo do PT como de “esquerda”, setores de massas aderiram àquilo que acreditavam ser a “direita”.

Claro, essa é uma história (bem) resumida. Mas ela serve para introduzir o assunto. Quero falar neste texto das mudanças ocorridas após as mobilizações pró-impeachment, tratar do balanço das políticas de diversos grupos antes e propôr uma política para o momento atual. Não entrarei aqui em detalhes do governo Temer, no entanto, pois não acredito que esse seja o principal elemento da conjuntura. Explicarei tudo isso à frente.


Primeiramente, é preciso admitir que a caracterização original da “grande esquerda” sobre essas mobilizações foi totalmente equivocada. Hoje, depois do impeachment ter acontecido, não podemos mais dizer que as mobilizações eram uma ação de uma minoria privilegiada. Milhões de pessoas se manifestaram e o apoio ao impeachment foi estrondoso. A resistência a ele não teve condições de se mobilizar para derrotá-lo e nem consegue hoje empurrar uma derrubada a Temer, mesmo que o nível de aprovação dele seja tão pequeno quanto o de Dilma durante as mobilizações. Sendo assim, fica claro que as forças que enfrentaram o impeachment são significativamente mais fracas que as que o queriam. Sendo assim, a minoria, na verdade, é a base dos protestos anti-impeachment.

Deve soar estranho não dar nome aos bois, mas quero localizar, dessa maneira, que os setores engajados em uma ou outra política eram diversos em sua composição e envolviam setores de massas. Ambos. Em breve direi diretamente quem é quem.

Bom, sendo assim, é preciso admitir que uma parte significativa da classe trabalhadora se aliou à classe média em prol de derrubar o governo do PT. Na verdade, é necessário dizer que o mesmo aconteceu para defender esse mesmo governo – ainda que com críticas. Em ambos os lados tivemos uma mobilização que uniu classe média e classe trabalhadora.

Entendendo dessa maneira, fica claro que a postura de tratar todas as mobilizações anti-PT como mobilizações de “coxinhas” foi, desde o início, um erro. Primeiro por que a classe trabalhadora - centro da produção social e base da nossa estrutura social - estava sim presente nesses atos – e ela deve ser disputada pelos setores da esquerda. Segundo por que a classe média, apesar de secundária, também deve ser disputada, pois ela é o grupo que faz diferença na balança da luta de classes. Todas as grandes mudanças políticas dos séculos XX e XXI envolveram a classe média, para bem ou para mal. Ou seja, ainda que toda a composição das manifestações pró-impeachment fosse de membros da classe média exclusivamente, esse setor ainda teria que ser disputado pela esquerda.

Em terceiro lugar, o fato de que a “grande esquerda” ( em especial, PSOL e membros de diversos grupos), o PT e o PCdoB (a direita que se diz de esquerda), terem chamado essas manifestações de “coxinhas” e rejeitado o diálogo com todos os que se sentiram mobilizados pelas suas reivindicações (primeiro difusas, depois o impeachment), essa política, foi indubitavelmente responsável por jogar setores de massas nas mãos da burguesia (da direita e da ultra-direita), pois, antes mesmo de elas estarem ganhas para a direita, elas já foram tachadas dessa maneira. Qualquer um deles que buscasse procurar um pouco mais, logo se veria jogado no campo desconhecido da direita. Por mais que muitos deles não sejam de direita (pois não defendem seu programa e, muitas vezes, nem sabem qual ele é), é a direita quem passou a dirigí-los.

E que direita era essa? PSDB, PMDB e Neo-fascistas (bolsonaros, militaristas, saudosistas da ditadura e liberais radicais de direita). Por mais que em momento nenhum o PSDB e o PMDB tenham se colocado diretamente à frente dessas manifestações, com bandeiras ou qualquer outra coisa, eles estiveram presentes através de figuras públicas, dinheiro e infiltrados (hoje já sabemos que o Movimento Brasil Livre era atrelado a partidos de direita, apesar de se dizer independente). Uma das coisas mais escrotas dessas lideranças de direita foi justamente esconderem suas filiações políticas reais e seus objetivos políticos reais (como é comum da direita), fazendo com que massas de brasileiros fossem às ruas sob sua direção, para garantir seus interesses, sem que isso ficasse jamais claro para os participantes.

Nisso também a grande esquerda, o PT e o PCdoB, têm culpa: ao não dialogar com esse setor das massas e atacá-los dizendo sendo filiados a forças políticas que eles não sabiam que os estavam dirigindo, fez com que eles criassem uma resistência à própria denúncia de estarem sendo usados de massa de manobra (como estavam, de fato).

Mas, na verdade, a direita travestida de esquerda (PT e PCdoB), fez o mesmo, dizendo que as manifestações pró-governo eram a favor da “democracia” (como se o regime democrático de direito do Brasil fosse acabar com um eventual governo Temer) e contra o mitológico “golpe”. Mitológico por que, quando se fala de golpe, referimo-nos a uma ruptura do regime em prol da retirada de um programa político para a aplicação de outro e a efetiva mudança no regime político. Nenhum destes 3 elementos esteve presente – não houve ruptura do regime democrático burguês, não houve mudança de programa político e nem houve mudança de regime.

Assustados com as manifestações pró-impeachment, a grande esquerda capitulou à dicotomia eleitoral criada pelo PT-PCdoB, enxergou aquelas massas como uma “onda de direita” e, por isso, aderiram ao apoio, mesmo que envergonhado, ao governo. Alguns setores da esquerda do PSOL não caíram nesse conto, mas não foram fortes o suficiente para mudar os rumos do partido, que assumiu agora a postura nacional de se aliar ao PT-PCdoB, a direita que se diz de esquerda. O PSTU merece ser destacado por não ter caído nesse conto em momento algum desse processo todo, sem aderir ao apoio ao governo. Mas, a postura da maioria da esquerda foi a de dar as mãos com o governo de frente popular (burguês) de direita para defendê-lo, com medo do que poderia vir sem ele.

Esse se tornou o caso mais interessante de profecia auto-realizada da política Brasileira recente. Justamente por taxar as manifestações de “coxinhas”, seus participantes se alinharam com a direita. Ao dizer que havia uma “onda de direita”, as massas foram largadas nas mãos da direita, aumentando a força real desses grupos e mudando o rumo da política nacional, permitindo a esses setores terem mais influência para aplicar um programa mais radicalmente à direita que antes... e eis que surge a “onda de direita”, como se fosse uma confirmação de seu próprio mito. Os responsáveis? É preciso dizer: a grande esquerda, a maioria do PSOL, mas principalmente, o PT-PCdoB.

Mas o erro da esquerda é imperdoável. Aliar-se a um setor da direita acreditando nos mitos disseminados por ele mesmo, depois de tantos anos de ataques a diversos setores da população, política neo-liberal, privatizações, terceirizações e uma onda tão grande de arrependimento do voto em Dilma... depois de tudo isso, a esquerda se converter ao governismo (mesmo que envergonhado) é de uma ingenuidade absoluta, que só se poderia esperar de novatos, não de direções políticas tão antigas. Digo ingenuidade por que não há motivos para acreditar que tenha sido uma jogada dos setores mais à direita do PSOL e da grande esquerda... isso não por que sejam todos honestos (pois nem todos são), mas sim por que a ingenuidade, para mim, é mais crível que a incompetência – essa política desastrada não dava e não deu nenhuma vantagem ao PSOL e principalmente aos setores independentes... Só quem tinha a ganhar (e ganhou) era o PT-PCdoB, angariando o apoio de massas e vanguardas desavisadas e daqueles que mais fortemente caíram em seus contos e passaram para o governismo.

Agora, ao mesmo tempo em que isso acontece, crescem os liberais de direita e os neo-fascistas. O PSDB e o PMDB, como partidos, não ganharam simpatia da população; apenas poder – que é o que se espera de usá-la como massa de manobra; nada inesperado. Mas a direita mais vocal, mais estridente e mais descarada é que ganhou mais com tudo isso. A massa pró-impeachment, irritada e confusa, viu ao seu lado, organizados e ativos, figuras do liberalismo (do mais moderado ao mais delirante, como Olavo de Carvalho, passando pelos liberais radicais, como o Canal do Otário) e neo-fascistas (os bolsonaros são um bom exemplo)... e acabaram dando as mãos e aderindo ao seu programa, que era mais claro que o de quaisquer outros grupos políticos.

É preciso, portanto, identificar uma mudança na conjuntura. Ao passo que, durante as manifestações, as massas pró-impeachment não aderissem ao programa da direita e da ultra-direita, agora setores cada vez maiores estão reproduzindo os argumentos (toscos) dos liberais de direita e os argumentos (imbecis) da ultra-direita e criando uma nova mitologia sobre o que é a esquerda: baseada em estereótipos simplistas, misturas de características de diversas correntes diferentes, vendo incoerências que não existem e, mais evidentemente, rejeitando a luta contra as opressões e resistindo às suas posturas (que, admitamos, foram e são, em muitos casos, muito sectárias e, em outros, vanguardistas).

Dada essa realidade, é preciso fazer um ajuste de política. Não creio que a política de “Fora Todos Eles” do PSTU e da CST (corrente do PSOL) seja a mais apropriada para o momento – fazer essa demanda irá levar o movimento social a uma derrota certa, pois ele não consiguirá, de forma alguma, derrubar todos (lição que deveria ter sido aprendida com o primeiro “Fora Todos”, em 2005). Além disso, essa política não dialoga com a consciência dos setores anti-impeachment que aderiram ao governismo e nem com os setores pró-impeachment, que esperam para ver no que vai dar o governo Temer. Uma coisa é correta: a denúncia incondicional ao governo – mas é prioridade impedir o avanço da direita.

Felizmente, o PT-PCdoB estão sem pai nem mãe: sem governo, sem apoio e sem política. Esse é o momento ideal para construir uma verdadeira oposição de esquerda, sem capitular à direita que se finge de esquerda. A prioridade nesse momento deve ser a união entre os partidos de esquerda (PSOL, PSTU e PCB, em especial) e os outros grupos da grande esquerda (principalmente os grupos de luta contra as opressões) na construção de um grande bloco, que deve se identificar como “a verdadeira esquerda” e que traga um programa unitário que combata os ataque planejados por PMDB-PSDB. O vácuo deixado pela derrota do PT-PCdoB permite que uma nova força cresça muito nesse atual momento, apesar da apatia geral.


Ao mesmo tempo, até o final do ano, a luta por novas eleições deve ser um objetivo real. Até o final do ano é legalmente possível derrubar Temer e fazer novas eleições para presidente. Se isso acontecer por uma movimentação da esquerda, ainda que apoiada por uma massa perdida, as possibilidades de influência no programa apoiado pelas massas e, ao mesmo tempo, de trazer até uma eleição geral, ou uma nova constituinte, aparecem no horizonte. Mas o primeiro passo é derrubar Temer e isso só pode ser feito com a denúncia implacável do governo e a unidade da esquerda em torno a um programa unitário e a proposta de novas eleições.


Não será uma tarefa fácil, no entanto. Os inimigos estão fortes, bem mais fortes que antes. Mas a ordem atual das coisas está, ao mesmo tempo, mais frágil do que então: o governo federal não tem apoio e a “nova direita” não tem um programa que possa de fato mudar a realidade do Brasil. Será necessário pôr em pauta  a questão de qual o programa que o povo brasileiro quer para o país (nada melhor que uma eleição presidencial para isso) e, principalmente, enfrentar (em todas as frentes) essa nova direita, desmascará-la. E essa última tarefa será a mais difícil – pois eles estavam ao lado destas pessoas nas manifestações, não a esquerda; por que eles os abraçaram, não a esquerda; por que eles os disputaram, não a esquerda.


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