Foi aprovado em comissão especial (ou seja, não a votação no
plenário) o famigerado “Estatuto da Família”, que poderia ser resumido como “Estatuto
da família Tradicional”. Ele foi alvo de severas críticas por parte de uma
quantidade enorme de pessoas, tanto conservadores quanto progressistas,
reformistas, revolucionários… Indo inclusive contra votação popular no site do
senado e contra toda a jurisprudência atual. Claro, eles querem impedir que a
legislação avance para se ajustar à sociedade… por que os setores que aprovaram
esse estatuto (os fundamentalistas evangélicos brasileiros) querem mudar o que
está acontecendo no país – ele está saindo do século XIX.
Essa saída se deve ao governo? De forma alguma. Ele não
moveu muita coisa para apoiar de maneira contundente as famílias não-tradicionais. Então essa saída se deve à oposição de direita? tampouco. Na
verdade, no campo do legislativo, a oposição brasileira vai desde nostálgicos
da ditadura até liberais moderados. Na sociedade, a oposição é a maioria das
pessoas. Mas nenhum deles é responsável por isso. Por que isso não é um
fenômeno brasileiro. A crise da família tradicional, ou seja, a retirada dela
do totem absoluto do que significa ser família, vem acontecendo desde meados do
século XX, principalmente por causa do divórcio e o recasamento. O que os fundamentalistas
religiosos querem é rodar a roda da história pra trás, e estão fadados a
fracassar. Na prática, tornaram o Estatuto letra morta ou base para
jurisprudências considerando coisas que eles n consideram como família.
Para você que caiu de pára-quedas nesse assunto e não sabe o
que o Estatuto da Família determina, basta dizer que ele garantiria os direitos
da “família”, mas definiria família como homem-mulher-filhos. Só. Ficaram de fora
os netos criados por avós ou avôs, mães solteiras, tios e tias e, especialmente – e é aí que
entra a nossa questão – os casais homoafetivos ou poliafetivos.
É, foi uma derrota. Não vamos nos enganar. Esse estatuto é
um retrocesso e para ser anulado vamos depender do judiciário classificá-lo
como inconstitucional e todos os trâmites para isso andar. Provavelmente, o
estatuto não fará nenhuma diferença real? É bem possível, mas ele é uma bela
fincada de bandeira. O fundamentalismo religioso no Brasil disse “quando a
gente quer, a gente faz e não importa o que vocês disserem”. É uma mostra de
poder. Das boas.
Mas o que isso tem a ver com o poliamor? Bom, com as
mudanças nas famílias também vieram mudanças nos relacionamentos, dentre elas,
o poliamor. Isso quer dizer que estávamos já descartados de direitos iguais com
esse estatuto. Mas isso não é tudo.
Foi posta em questão, por causa da discussão contra o
estatuto, a criação dos filhos pelos pais, o cuidado biparental, a
heteronormatividade. Mas não a monogamia. Mesmo que os fundamentalistas
tivessem saído derrotados, com o rabinho entre as pernas, nós, polis, ainda
teríamos que lutar para conseguir direitos para nossas famílias com múltiplos
parceiros (ou abertas a isso). Ou seja, mesmo que o casamento igualitário fosse
aprovado no Brasil – e não o “Estatuto da Família” – o que seria uma tremenda
vitória de todos os setores progressistas do país e da américa latina… ainda
assim, as famílias poliamorosas ainda estariam desassistidas e ainda sofreriam
de desigualdade de direitos.
O poliamor não é pautado por quem defende os direitos das
mulheres, dos lgbt, dos negros… simplesmente é como se não existíssemos. E
nossas famílias ficam sem direitos mesmo que eles consigam suas maiores
vitórias.
Isso quer dizer uma coisa fundamental: em algum momento, e
logo, o poliamor precisa se politizar. Isso pode dar medo a algumas pessoas,
por que logo associam política com corrupção, traição e coisas do tipo. E com
razão. A política burguesa é isso mesmo, está a serviço do dinheiro e dos
interesses particulares. Mas não é dessa política que estou falando.
Estou falando da política feita pelos trabalhadores (nesse
caso, polis) organizados, que controlam mandatos, figuras públicas, que decidem
coletivamente que rumo tomar e que se colocam para o resto da população – não
como um “Salvador da Pátria”/”Pai dos Pobres”/”Mãe do Brasil”, mas como
coletivo, como grupo, submetido às decisões de suas bases, de quem faz parte
desses movimentos e de quem eles representam. Temos que fazer um movimento
poliamorista submetido às decisões dos poliamoristas. Só assim teremos força
para pressionar parlamentares, figuras públicas, opinião pública, etc. a nos considerar,
a nos responder, a nos engolir; e assim conseguirmos direitos.
Só não podemos cair em dois erros.
Um deles é acreditar que vamos conseguir tudo que queremos
sozinhos. Nenhum movimento é poderoso o suficiente para isso. Os Operários da
GM vão sempre estar castrados em suas vitórias se os Operários da Fiat viverem
sofrendo derrotas. Os Professores vão continuar sendo desmerecidos e mal pagos
enquanto o salário mínimo continuar baixo. Todos nós sofremos com a crise. E a
vitória do movimento LGBT, Negro, de Mulheres, Operário, Estudantil, é sempre
um tijolo a mais na escada que leva a uma real transformação histórica – e essa
sim nos dá as oportunidades de ouro. Temos que nos unir a todos eles, principalmente os operários (o setor mais poderoso de todos os explorados) lutar ao
seu lado, comemorar suas vitórias, apoiá-los em suas derrotas, pois é assim que
farão isso por nós, e é assim que cresceremos todos juntos e mudaremos a
história, como foi feito em meados do século XX. Isso quer dizer que temos que
lutar por um mundo novo, em que quem mande sejam os trabalhadores, as mulheres,
os LGBT, os índios, os negros… e os polis. Eu chamo esse mundo de socialismo.
Chame como quiser.
O Outro erro é achar que temos que entrar no jogo sujo para
conseguir o que queremos. Isso não é o único caminho – só é o mais fácil. E
mesmo assim, o mais provável é que se consiga cada vez menos migalhas e menos
pães conforme nossos representantes vão ficando mais e mais sujos. Não podemos
depositar nossa confiança em governos, em salvadores, em nada que não seja a
total sujeição do poder à vontade dos trabalhadores organizados e todos os setores
oprimidos. Não devemos passar a perna em nossos colegas, não devemos usar de
militância paga… devemos lutar com nossas próprias forças e o apoio de todos os
oprimidos e explorados.
Mas isso não é algo que estejamos em condições de fazer de
maneira consolidada agora. Estamos começando, dando os primeiros passos.
Primeiro se aprende a andar, depois a falar. Precisamos criar a uma verdadeira
comunidade poliamorosa, reunir-nos, ganhar mais pessoas, tornar nossos grupos
sólidos e fortes (me refiro aqui, sem meios-termos, no caso do Rio de Janeiro,
à Pratique Poliamor RJ) e depois partir para a rua, para os atos, para as
greves… crescer e lutar, então, se tornarão coisas juntas e aí estaremos no
estágio maduro do nosso movimento.
No momento, eu peço a todos os polis que participem das
atividades dos movimentos polis de onde vcs moram, que montem grupos onde não
tem e, se você é do Rio de Janeiro, que foraleçam a Pratique Poliamor RJ.
A quem não é poli, eu peço o seu apoio. Se você sofre
qualquer opressão e exploração, nos apóie, chegue para outras pessoas e nos
defenda, nos ajude a ser mais fortes, estejam do nosso lado. Afinal, é dando
amor que se recebe amor.
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