sexta-feira, 6 de março de 2015

Por que me tornei RLi

Ontem à noite tive uma reunião com os organizadores da Rede Relações Livres do Rio de Janeiro sobre o que são as Relações Livres. Não que eu nunca tivesse tido contato com o termo ou que o conhecesse pouco, mas por que eu via concepções (diferentes da que eu conhecia) circulando e achei apropriado me esclarecer mais sobre o que são as relações livres e verificar se, dentro das divergências de concepção, a minha própria concepção de relacionamento se encaixa. E descobri que sim. Isso, no entanto, não muda o fato de que me identifico como Poliamorista e que sou organizador da Pratique Poliamor RJ. Agora, no entanto, entro também para a construção da Rede Relações Livres do Rio de Janeiro e da concepção RLi como um todo.



Bom, primeiramente, eu gostaria de dizer que eu não mudei minhas concepções sobre relacionamentos. Eu continuo defendendo o que defendia antes de ontem. A questão é que descobri que existe espaço dentro da Rede Relações Livres para a minha concepção de relacionamentos, liberdade e autonomia.

E que concepção seria essa?

Primeiramente, sou contra a monogamia. Acho que ela, enquanto instituição estrutural da nossa sociedade, é um modelo imposto a todos, que normatiza os relacionamentos e as formas de amar e que impede as pessoas de viverem plenamente suas afetividades e sexualidades. Ao mesmo tempo, a monogamia consciente, em que as pessoas escolhem viver a monogamia mesmo sabendo que existem outras formas de relacionamento também me é um problema - pois as pessoas em questão estão impondo uma à outra uma limitação que não lhes cabe: não cabe a mim decidir que meu parceiro só pode ter a mim; isso deve ser uma escolha (não ficar com mais ninguém) e não uma imposição do outro (não PODER ficar com mais ninguém), ou seja, se alguém se entende como monogâmico, que esteja numa relação aberta e escolha não ficar com ninguém, por que é como se sente melhor.

Claro que não é tão simples, as pessoas sofrem com os vários acúmulos que a sociedade monogâmica impõe a todos nós. Somos educados desde cedo que relacionamento é igual a monogamia. Isso impõe a muitos de nós todo um processo (às vezes doloroso) de superação desses condicionamentos para viver a não-monogamia. Nesse sentido, para encaminhar da melhor maneira o processo de cada um, é importante que tenhamos sensibilidade com as limitações uns dos outros e façamos acordos que possam propiciar segurança e, ao mesmo tempo, um ambiente em que a pessoa possa avançar na superação de seus condicionamentos monogâmicos. Por isso, diversos acordos que existem em meio ao Poliamor são válidos e necessários.

Mas isso não exclui a necessidade de termos uma constelação de valores que nos ajudem a fazer esse processo e criar relações que nos potencializem. Claro que essa não é uma tarefa fácil - não há como chegar com um modelo pronto que sirva a todos. Por isso, valores que sirvam de guia podem e devem ser elaborados. Nesse caso, a opção que proponho é a mesma que o RLi:

 - Liberdade: nesse caso, não defendo a liberdade liberal, em que cada um faz o que quer contanto que seja limitada pelo "fazer o que quer" do outro. Nem defendo a liberdade sartriana, em que a liberdade é igual a escolha. Minha concepção de liberdade tem a ver com a minha concepção sobre existência: tudo que existe é limitado e tem potencialidades. Liberdade é estipular de maneira consciente as limitações que melhor nos permitem desenvolver nossas potencialidades - ou seja, liberdade é um processo constante. Dado que nossas potencialidades podem ser desenvolvidas pelos desenvolvimentos dos outros indivíduos, o cuidado e a preocupação com os outros indivíduos e suas próprias liberdades, propiciar a eles um ambiente em que possam se desenvolver o melhor possível - inclusive nossxs parceirxs - é parte da nossa própria potencialização. Desse valor fundamental, derivam os outros.

 - Autonomia: a possibilidade de se tomar decisões conscientes sobre sua própria vida sem limitação restritiva imposta por outros. Ou seja, buscar nosso próprio desenvolvimento como seres humanos tendo os outros como parceiros que nos querem ajudar e não como inimigos (concepção liberal e sartriana) ou impedimentos.

 - Empatia: para que isso dê certo, é necessário que apoiemos uns aos outros e, para isso, é necessário que entendamos os sentimentos e pensamentos uns dos outros e os ofereçamos respeito. Respeito no campo do pensamento é a aceitação de divergências e a discussão racional dessas concepções. No campo da emoção é o respeito às limitações e desejos do outro. Para que isso dê certo, são necessários acordos entre as pessoas

 - Solidariedade: se o desenvolvimento de outra pessoa (especialmente nos relacionamentos amorosos e sexuais) pode nos garantir melhores condições de desenvolvimento, não faz sentido não se preocupar em ajudar no desenvolvimento de outro indivíduo. Apoiar nos seus sofrimentos, oferecer companheirismo, apoio concreto, segurança... tudo isso é fundamental para uma relação responsável (Não-monogamia Responsável) ser benéfica para todos os indivíduos.

 - Sinceridade: uma relação, seja ela qual for, em que a mentira é um recurso comum, possui algum problema sério a ser resolvido. É preciso que as pessoas possam se sentir seguras que estão tomando as decisões apropriadas para os envolvidos e de que não serão traídas no futuro em sua confiança.


 - Igualdade: Não existe como tocar todos esses valores a frente sem uma situação de igualdade. Mas essa igualdade não é a igualdade totalitária, de que as pessoas possuem as mesmas características. Estou tratando de uma igualdade individualista - ou seja, de que todos são iguais em direitos apesar de suas diferenças. Mas essa igualdade deve se dar tendo consciência das diferenças e fazendo acordos e ações conscientes que tentem dar conta das desigualdades existentes (umx parceirx que aceita muito coisas que não quer em benefício do outro, pode necessitar ser mais ouvidx e nós podemos ter que aprender a ceder com mais facilidade, sair da nossa posição cômoda, por exemplo; isso é bastante aplicável a situações de opressão, como machismo, racismo, LGBTfobia, etc.). Isso quer dizer que relações hierarquizadas, em que um indivíduo tem voz de comando na relação (que não seja num âmbito sexual e consensual) tendem a ser prejudiciais para algum dos indivíduos.

Bom, esses valores, pelo que me foi dito, são valores que fazem parte da ética RLi, mesmo que usando conceitos diferentes desses em algumas situações. A questão é que, apesar de eu não concordar teoricamente com a concepção original do RLi, eu pude ver que há espaço para divergência contanto se apoiasse os valores de liberdade, autonomia e não-exclusividade. E, portanto, nesse sentido, eu sou RLi, mesmo não me identificando como tal até então.

Uma questão importante de discordância que tenho com a concepção majoritária do RLi é de que não tenho como ideal o indivíduo que vive sozinho e se entende como solteiro, vivendo as relações que bem entende quando bem entende da maneira que bem entende. Creio que esse é um ideal possível. Outro seria, por exemplo, a relação em comunidade, em que as pessoas compartilham moradia, recursos, tempo, etc. contanto que de maneira livre e com autonomia individual. No meu caso específico, estou caminhando mais para o primeiro ideal, mas não descarto a possibilidade de me inserir no segundo. Aliás, creio que o primeiro ideal sofre influências de classe: e só é possível e mesmo esperado, nos setores médios... a maior parte da classe trabalhadora precisa da comunidade para ser livre. Creio que, em quaisquer circunstâncias, os valores acima devem ser sempre presentes para que a relação seja livre. Entendo que é mais difícil no segundo caso manter a autonomia individual, mas não creio que seja impossível, como alguns creem.

A questão fundamental que me diferencia da linha majoritária do RLi é a questão do Poliamor. Mantenho minha posição de que RLi é uma ética poli. Por que isso? Por que o conceito de poliamor se aplica a qualquer relação em que existe não-exclusividade a dois, igualdade de direitos e consensualidade. Nesse sentido, isso se aplica a todas as Relações Livres - mas nem todas as relações a que o termo "poliamor" se aplica englobam Relações Livres. Ou seja, poliamor é um termo guarda-chuva que se aplica a diversos tipos de relacionamento. RLi é uma concepção de relacionamento cuja relação concreta é uma relação poli. Como o poliamor não é uma ética, calcada em valores específicos (apesar de eu crer que valores éticos emergem da prática poliamorosa), mas um fenômeno concreto, posso dizer com toda segurança que RLi é uma ética que faz parte desse fenômeno e que serve para guiar uma vivência mais potencializadora através dos seus valores.

Por entender dessa maneira, me mantenho como organizador da Pratique Poliamor RJ e como, portanto, Poliamorista. Mas, agora, passo a fazer parte da Rede Relações Livres como minoria e como organizador do Rio de Janeiro.

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Sendo assim, convido todos os que concordam com a minha concepção de relacionamento a se incorporarem também à Rede Relações Livres e a se unirem comigo na construção futura de uma tendência poliamorista de relações livres no interior da Pratique Poliamor Brasil, mais especificamente na Pratique Poliamor RJ.
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Rio de Janeiro, 6 de março de 2015

Rafael Machado
Fundador da Pratique Poliamor Brasil
Fundador e Organizador da Pratique Poliamor RJ

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