sábado, 17 de setembro de 2011

A (i)Racionalidade do Emprego

Essa semana eu tirei um dia pra procurar emprego. No meio de uma semana atribulada de coisas pra fazer, com a Vulcânica chegando e os vários rolos que tivemos com ela, procurar emprego me trouxe algumas questões antigas e me fez pensar em novas...

Essencialmente eu reparei o quanto que, mesmo no básico, as coisas são muito desiguais e altamente estúpidas. A burguesia nunca aceitaria, na sua lógica, aquilo que exige que os trabalhadores façam.

Começemos pelo simples ato de procurar emprego:


Joãozinho está na merda de grana. Antes que ele fique absolutamente sem dinheiro nenhum, ele, precavendo-se, vai procurar um novo emprego. Se ele estivesse bem de grana, provavelmente não procuraria, certo? (claro que não, seu imbecil, as pessoas não fazem as coisas pela razão sempre ¬¬ Ele procura emprego que espera-se dele que ele procure :P Mas ok, estamos analisando a lógica racional das coisas, então partamos do mito de que as pessoas fazem as coisas por motivos plenamente racionais)

Quando Joãozinho vai procurar emprego, ele deve primeiramente, fazer um currículo. Primeiros problemas.

Se ele está precisando de emprego e não tm dinheiro, talvez ele aceite muitas possibilidades de emprego diferentes, o que é racionalmente bom por que lhe dá mais possibilidades, e o que é esperável, já que ele precisa de dinheiro, ou seja, não pode ficar escolhendo mt. O problema é que se ele deixa um currículo genérico, reclamam, pq agora querem que seja específico.

Ele então escolhe uma forma específica trabalho para fazer o currículo e põe suas capacidades. Outro problema: não existe mais um padrão específico de currículo pra fazer; cada empresa tem seus critérios e prefere uma coisa e não outra - ou seja, se ele não conhecer a empresa (coisa é semi-impossível de fazer, já que as empresas mantém seus critérios de seleção secretos), pode, sem saber, escrever o currículo de uma forma que não interessa à empresa e simplesmente perder a vaga.

As empresas têm "perfis" de candidatos interessantes para elas, mas se não sabemos que perfis são esses, como saber que estamos desperdiçando nosso tempo indo em uma e não em outra?

Mas tá, ele ignora esse problema, olha meia dúzia de modelos de currículo na internet, faz seu próprio, e parte para imprimí-lo. Outro problema: ele não só tem que ter um computador (com acesso à internet) disponível para seu uso, como ele tem que ter onde imprimir. Se o cara é fodido, como é o caso do Joãozinho, ele vai ter de pagar uma Lan House pra fazer isso. Novo problema: gastar dinheiro; mas não era isso que ele tava precisando? de dinheiro? quer dizer que ele tem que gastar dinheiro que ele não tem para ter a possibilidade de conseguir? qual é a lógica disso??? Se ele não tem dinheiro, deveria ter outra coisa pra dar em troca de conseguí-lo, que é sua força de trabalho; mas até para dar a sua força de trabalho ele precisa de dinheiro... onde está a lógica da coisa???

Bem, superada essa dificuldade, ele tem que distribuir os currículos nos lugares a esmo, sem orientação, sem apoio e sem dinheiro - ou seja, andar pra caralho e gastar dinheiro com alimentação e transporte, ou seja, mais dinheiro. Isso por tempo, a priori, indeterminado, até que apareça alguém interessado em empregá-lo.

Aí, ele gasta mais dinheiro e espera mais tempo para passar pelo processo de seleção da empresa a fim de ser adimitido no final do processo. Mas ele só vai saber se aquele emprego vale a pena se comparar com outros... mas quem deu tempo de ele conferir os vários? no final do processo de seleção, em geral, ou ele aceita ou ele rejeita! E pior, se ele optar por comparar e aceitarem que ele faça isso, como vai se bancar durante esse período?

Dado o fato de que existem milhares de desempregados para todos os lados, poderíamos avaliar que procurar emprego é um investimento de alto custo e alto risco; especialmente por que se você não conseguir um, está absolutamente fodido. O que a burguesia faz, no caso dela, é fazer investimentos de alto risco e alto custo quando ela já tem dinheiro e pode, portanto, se garantir no caso de dar merda; ou então, ela exige do Estado que lhe dê segurança. Mas então por que tem tantos contra o auxílio desemprego? ou a favor de sua restrição? Pra evitar a vagabundagem? ah, claro, por que os burgueses trabalham muito, tadinhos... os especuladores principalmente..! ahahah aliás, como se trabalhar fosse um negócio mt vantajoso, neh? vejam só...

A jornada de trabalho do Brasil é de 8 horas por dia e 44 horas semanais. Isso quer dizer que estar-se-á trabalhando pelo menos 6 dias por semana (40 horas durante a semana e 4 horas no sábado), quando não mais, já que existem as horas extras e o banco de horas. Consideremos, no entanto, apenas os 5 dias da semana como com trabalho, por 8 horas por dia (cortando assim 4 horas de trabalho oficiais) e consideremos também, que todas as empresas seguem a legislação brasileira e nenhuma sacaneia seus funcionários, por mais irreal que isso possa parecer...

Tendo o dia 24 horas e sendo necessário pelo menos 8h de sono diárias para uma vida minimamente saudável para um ser humano adulto normal, sobram 16h do dia estando acordado.
A carga horária diária de 8 horas exige da empresa pelo menos 1 hora de horário de descanso/almoço para o trabalhador, na qual ele ainda está preso à empresa, ainda está confinado em seu lugar de trabalho ou, no máximo está saindo para comer e voltar ao trabalho depois. Ou seja, dessas 16h de vida diária, o trabalhador é forçado a ter 9h a menos, ou seja, sobram-lhe 7 horas de vida.

No entanto, o trabalhador não gasta apenas isso com o trabalho. Ele tem que se arrumar (tomar banho e comer) antes de ir para o trabalho e tem de fazer o mesmo quando voltar; ou seja, menos tempo de vida. Aproximemos esse tempo para 1 hora na ida e 1h na volta. Temos então, 2h a menos das 7, reduzindo a vida a 5h. Legal, não?

Agora pensemos: o trabalhador não gasta também seu tempo e esforço para ir e voltar ao trabalho? Logo, ele também perde tempo de vida enquanto se desloca até o trabalho. Dado que a maioria das pessoas trabalha em horário comercial, ou seja, pegam rush, há um tempo considerável de deslocamento. Apesar de ser bem mais que isso, consideremos que os trabalhadores demorem, em média, 1h para ir e 1h para voltar do trabalho. 2h no total, reduzimos de 5h para 3h o tempo de vida. Alguém aí tá gostando do negócio?

Isso apenas o tempo gasto com o trabalho. Mas temos também as obrigações de casa, as contas a pagar, os filhos para cuidar, etc... Digamos, mais 1h para isso tudo (estou reduzindo bastante, neh?) então as 3h vão para 2h.

Resumindo: 14h (8+1+2+2+1) diárias dedicadas a obrigações e ao trabalho. 2h horas de vida. 14/2 = 7. Sete vezes o tempo de vida. Alguém acha que isso é um bom negócio? Alguém acha que o trabalho é algo recompensador??

 - "Ah, mas tem o fim de semana!" 
sim, sim, mais 32h. quer dizer, menos as 4h de trabalho do fds, menos o tempo dedicado aos filhos e obrigações, digamos, mais 4h. 32 - 4 - 4 = 24. 24 + 10 (=2x5) = 34. 34 horas de vida por semana. E quantas de obrigação? 70 (=14x5) + 4 + 4 = 78. 78/34 ~ 2,3. Ou seja, mais que o dobro do tempo de vida gasto com trabalho. Isso vivendo na imundíce e sendo um@ péssim@ pai/mãe. Isso continua te parecendo um bom negócio?

 - "Se está insatisfeito, procure outro emprego!"
 Quando? durante a semana, quando ele tem que trabalhar no horário em que todas as outras empresas funcionam e poderiam receber seu currículo? ou no final de semana, quando é seu pouco tempo de vida e a maior parte das empresas está fechada? Ele também pode arriscar o desemprego e a procura por um novo - sim, sim, o investimento de alto risco e alto custo sem segurança? hm...

Eu gostaria de ver um empresário topar um investimento que é, a princípio, de alto risco e alto custo para depois entrar numa situação insegura, em que ele gasta mais que o dobro do que recebe e em que é pressionado e mal-tratado fazendo uma coisa que ele não gosta, convivendo com gente que ele não escolhe, obedecendo alguém que não se importa com ele, lidando com gente que o vê como uma coisa... Duvido! Em pouco tempo, ele fecharia a empresa e faria outro investimento mais vantajoso... pois é, amigo, o trabalhador não tem essa opção...

Aliás, a pessoa que quer fugir deste óbvio péssimo negócio, é vista como vagabunda. O empresário é visto como "bom investidor"...

Mundo justo, não?

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